sexta-feira, maio 25, 2007

 

O recurso para o Tribunal Constitucional



Foi já no passado dia 1 de Fevereiro de 2006 que a Teresa e a Lena se apresentaram na 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa para requererem o início do processo do seu casamento.

Contudo, tal pretensão foi-lhes liminarmente recusada pelo Sr. Conservador, com o fundamento de que o artigo 1.577º do Código Civil restringe o direito à celebração do contrato de casamento civil a pessoas de sexo diferente.

Por isso, e defendendo desde logo a inconstitucionalidade dessa restrição contida na lei civil, uma vez que ela viola manifestamente o «Princípio da Igualdade» formulado no artigo 13º da Constituição (que proíbe expressamente todas as formas de discriminação dos cidadãos, incluindo expressamente a que resulte da sua orientação sexual), a Teresa e a Lena desde logo recorreram sucessivamente de tal decisão para os Tribunais civis, embora não tenham ainda logrado fazer valer os seus argumentos.

Agora, um ano e quatro meses passados sobre aquela data, estão finalmente esgotados todos os meios e recursos jurisdicionais ordinários que são os processualmente adequados para, nesta fase, se poder reagir contra a aplicação de normas consideradas inconstitucionais.

Deste modo, e de acordo com o disposto na Lei do Tribunal Constitucional, a Teresa e a Lena finalmente puderam e, por isso, acabam de interpor recurso para o Tribunal Constitucional, onde vão requer a declaração de inconstitucionalidade dos artigos do Código Civil cuja actual formulação as tem impedido de contrair casamento uma com a outra.

Desde já se reproduz abaixo o requerimento de interposição desse recurso para o Tribunal Constitucional, incluindo a sua justificação e os respectivos fundamentos processuais para a sua admissibilidade.

Como é óbvio, não se trata ainda das alegações do recurso e muito menos da sua fundamentação substantiva, para cuja apresentação a Teresa e a Lena ainda nem sequer foram notificadas.
Contudo, logo que tal suceda e assim que essas alegações sejam entregues no Tribunal Constitucional, de imediato aqui será deixada uma reprodução das mesmas.


TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
xª Secção
Processo nº. x

Exmºs. Senhores Juizes Desembargadores
do Tribunal da Relação de Lisboa:


Teresa ... Pires e Helena ... Paixão, recorrentes no processo à margem referenciado, notificadas que foram da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação que deduziram contra o despacho que decidiu pela não admissibilidade da subida do recurso de revista por si interposto para aquele Tribunal do acórdão proferido por este Tribunal da Relação,
vêm a V. Exª expor e requerer o seguinte:

1º- Têm os presentes autos origem na decisão proferida pelo Exmº. Senhor Conservador da 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa que não admitiu o processo de casamento que lhe foi requerido pelas ora recorrentes, como o fundamento de que as recorrentes são do mesmo sexo,
2º- pois, reconhecendo-se embora que ambas as recorrentes são inequivocamente dotadas de personalidade e capacidade jurídica e judiciária e, por isso, de plena capacidade matrimonial, tal como esta vem exigida nos artigos 1.596º e 1.600º do Código Civil,
3º- a celebração do seu casamento não seria admissível face ao teor da definição legal e do conceito de contrato de casamento contida no artigo 1.577º do Código Civil
4º- que define casamento como «o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida»,
5ª- e face ainda ao teor do quanto consta na alínea e) do artigo 1.628º do Código Civil, que fere de inexistência jurídica o casamento celebrado entre duas pessoas do mesmo sexo.

Assim,
6º- e inconformadas com esta decisão, as recorrentes dela recorreram judicialmente, tendo o seu recurso subido, em primeira instância, para o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa,
7º- desde logo e imediatamente com o fundamento precisamente na inconstitucionalidade material das citadas normas do Código Civil (e das demais normas que lhe dessem correspondência – cfr. artºs. 33º e segs. das alegações),
8º- e bem assim, e ao mesmo tempo, com o fundamento na manifesta inconstitucionalidade de qualquer decisão (jurisdicional ou administrativa) que, também por omissão, não tornasse consequente e que não correspondesse à inequívoca vontade do legislador constitucional de 2004 de não permitir qualquer forma de discriminação, qualquer que ela fosse (cfr. artºs. 91º e segs. das alegações de recurso),
9º- e que, por isso mesmo, decidiu na Lei Constitucional nº 1/2004 completar a formulação do «Princípio da Igualdade» acrescentando ao artigo 13º da Constituição a expressão «ou orientação sexual».

Contudo,
10º- o que é facto é que aquele Tribunal Cível de Lisboa decidiu manter a decisão do Sr. Conservador da 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, não reconhecendo a existência da alegada inconstitucionalidade.

Depois,
11º- e uma vez mais inconformadas com esta decisão, as ora recorrentes dela interpuseram recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa,
12º- uma vez mais, e sempre, com o fundamento na inconstitucionalidade material das normas do Código Civil nas quais se baseava o indeferimento do processo de casamento das requerentes decidido pelo Sr. Conservador da 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa,
13º- e uma vez mais e sempre também, com o fundamento na inconstitucionalidade que, também por omissão, resulta da desconformidade da persistência da aplicação daquelas normas com a inequívoca intenção do legislador constitucional que se deduz do aditamento da expressão «ou orientação sexual» à formulação original do artigo 13º da Constituição.

No entanto,
14º- também este Tribunal da Relação decidiu achar tais normas absolutamente conformes com o texto constitucional.

Por isso,
15º- e inconformadas mais uma vez com esta decisão, e sempre persuadidas da inequívoca inconstitucionalidade das citadas normas, decidiram as recorrentes dela interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

Contudo,
16º- foi decidido pelo Mmº. Juiz Desembargador relator do processo não admitir tal recurso, indeferindo, por isso, a sua subida,
17º- com o fundamento de que o nº 2 do art.º 291º do Código do Registo Civil restringe a possibilidade de subida deste tipo de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça somente aos casos em que tais recursos “são sempre admissíveis”.
18º- Desse despacho, e por dele não concordarem, reclamaram as ora recorrentes nos termos do disposto no artigo 688º do Código de Processo Civil para o Mtmº. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
19º- alegando que deveria ter sido concedida e deferida a sua subida ao Supremo Tribunal de Justiça, precisamente por este ser um dos casos em que o recurso “é sempre admissível”, e até por três motivos bem distintos: por se tratar de um processo de valor superior ao da alçada do Tribunal da Relação; por se tratar de um processo que diz respeito ao estado das pessoas e, finalmente, por se tratar de um processo em que se julgam interesses imateriais.

Mas,
20º- o que é facto, e disso acabaram as recorrentes agora de tomar conhecimento, e não obstante a argumentação e os fundamentos invocados,
20º- é que foi decidido pelo Mtmº. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ainda assim, manter a decisão de inadmissibilidade do recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Ou seja,
21º- e por todo o exposto, e face ao quanto vem estabelecido nos nºs 2 a 4 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei nº 28/82 de 15 de Novembro), e declarado até pelo Supremo Tribunal de Justiça,
22º- encontram-se agora as recorrentes face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos se encontram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários,
23º- que lhes possibilitem, de acordo com a previsão do artigo 280º da Constituição, reagir contra a decisão da aplicação das supra citadas normas do Código Civil com a qual continuam a não poder conformar-se,
24º- e de cuja inconstitucionalidade continuam inabalavelmente persuadidas, quer não só do ponto de vista material, mas também da que resulta da desconformidade com a intenção do legislador constitucional de 2004.

Nestes termos,
25º- e porque, como referido, as recorrentes continuam inconformadas com a decisão proferida por este Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu julgar conformes com o texto constitucional as normas constantes dos artigos 1.577º e 1.628º do Código Civil
26º- dela vêm agora as recorrentes, porque estão em tempo e para tal têm legitimidade (Cfr. al. b) do nº 1 do art.º 72º da Lei do T. Constitucional),

interpor recurso para o Tribunal Constitucional,

27º- o qual deverá subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo (cfr. nº 4 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional).

De facto,
28º- e de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, desde já as recorrentes esclarecem que, com o presente recurso, pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais,
29º- atento o disposto nas alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do T. Constitucional, ao abrigo das quais o presente recurso é interposto,
30º- e ainda atento o disposto no artigo 67º da Lei do Tribunal Constitucional (com os efeitos previstos no artigo 68º seguinte),
31º- designadamente a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.577º, da alínea e) do artigo 1.628º ambos do Código Civil,
32º- e também das normas que do todo coerente deste diploma legal lhes sejam directa ou indirectamente consequentes ou delas decorram.
33º- Tudo isto por manifesta violação do disposto no artigo 13º da Constituição e do «Princípio da Igualdade» que ali é estabelecido, muito principalmente no que toca à expressão «ou orientação sexual» contida na parte final do nº 2 daquela disposição constitucional,
34º- por manifesta violação do disposto no artigo 36º da Constituição e do «Princípio da Liberdade de Constituir Família» e também do «Princípio da Liberdade de Contrair Casamento» que ali são estabelecidos, muito principalmente no que toca aos nº 1 e 3 daquela disposição constitucional,
35º- por manifesta violação do disposto no artigo 16º da Constituição, e do «Âmbito e Sentido dos Direitos Fundamentais» que ali é estabelecido, muito principalmente no que toca ao nº 2 daquela disposição
36º- que obriga a que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem»,
37º- por manifesta violação do disposto no artigo 18º da Constituição, e da previsão da «Força Jurídica» que ali é preconizada para os preceitos constitucionais, muito principalmente no que toca ao nº 1 daquela disposição,
38º- que estabelece que «os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas»,
39º- por manifesta violação do disposto no artigo 26º da Constituição, que estabelece a garantia constitucional de «Outros Direitos Pessoais», muito principalmente no que toca ao nº 1 daquela disposição,
40º- que estabelece que «a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal... e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação»,
41º- e também por clara e manifesta violação do disposto no artigo 67º da Constituição, que estabelece a garantia e a defesa constitucional da «Família», muito principalmente no que toca ao nº 1 daquela disposição,
42º- que estabelece que «a família, como elemento fundamental da sociedade tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal do seus membros».

Na verdade,
43º- todas estas questões de inconstitucionalidade material constituem a base fundamental do inconformismo das recorrentes com a decisão do Sr. Conservador da 7ª Conservatória do Registo Civil e, depois, com as decisões jurisdicionais que se lhe seguiram,
44º- e, por isso mesmo, foram desde logo suscitadas quer nas suas alegações do recurso interposto para o Tribunal de 1ª instância (cfr. artºs. 33º e segs. das alegações) quer nas suas alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. artºs. 40 e segs. das alegações).

Mas, e por outro lado,
45º- também por violação do disposto nos artigos 280º (nºs 1, 2 e 6) e 283º da Constituição, este último que prevê a possibilidade da «Inconstitucionalidade Por Omissão», decorre o absoluto inconformismo das recorrentes,
46º- principalmente tendo em vista as determinações programáticas que, depois de observado o cumprimento do disposto na parte final do artigo 13º da Constituição, deveriam inquestionavelmente ter sido levadas a cabo e obedecidas pelos órgãos com poder legislativo para tal competentes,
47º- e que são as que constam no nº 2 do artigo 18º, no nº 2 do artigo 26º, no nº 2 do artigo 36º e nº 2 do artigo 67º, todos da Constituição.

De facto,
48º- nunca poderiam as recorrentes conformar-se com a manifesta ilegalidade de qualquer decisão (jurisdicional ou administrativa) que, também por omissão, violasse as normas ou os princípios constitucionais vigentes,
49º- nomeadamente, e para além das normas que acima se citaram, ao não tornar consequente e a não dar correspondência prática à inequívoca vontade do legislador constitucional de 2004 de não permitir qualquer forma de discriminação, qualquer que ela fosse,
50º- e que, por isso mesmo, decidiu na Lei Constitucional nº 1 /2004 completar a formulação do «Princípio da Igualdade» acrescentando significativamente ao artigo 13º da Constituição a expressão «ou orientação sexual».

Na verdade,
51º- e para além das questões de inconstitucionalidade material que acima se deixaram explícitas, sempre constituíram também base fundamental do inconformismo das recorrentes as manifestas e inequívocas questões de ilegalidade fundamental e de inconstitucionalidade por omissão
52º- e que, por isso mesmo e de igual modo, foram desde logo suscitadas quer nas suas alegações do recurso interposto para o Tribunal de 1ª instância (cfr. artºs. 91º e segs.) quer nas suas alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. artºs. 102º e segs.).


Termos em que
observados que estão os formalismos legais para tal previstos, porque para tal as recorrentes têm legitimidade, estão em tempo e estão representadas por advogado (cfr artºs 72º nº 1 al. b), 75º e 83º da Lei do T. Constitucional),

Requerem a V. Exª. que desde já considere validamente interposto recurso da decisão deste Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo certo que as respectivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no artigo 79º da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto.

O Advogado


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