segunda-feira, maio 15, 2006

 

As alegações do Ministério Público



Fui notificado das contra-alegações que o Ministério Público fez no âmbito do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa do caso do casamento da Teresa e da Lena, e onde é defendida a manutenção da decisão do Conservador do Registo Civil.

Diz o ilustre Procurador do Ministério Público que, de facto, o nº 1 do artigo 36º da Constituição estabelece que «todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade».

Contudo, diz também o Sr. Procurador que esta disposição não pode ser extensiva aos casamentos homossexuais porque o conceito de “família” não pode ser aplicado a pessoas do mesmo sexo que pretendam, nas palavras da lei, «constituir família em plena comunhão de vida».

Acrescenta ainda o ilustre Sr. Procurador que é somente pelo casamento, a que chama “o ponto de partida para a família”, que as pessoas se consciencializam da importância dessa mesma família e que sem o casamento jamais se alcançaria «uma plena comunhão de vida».

Continua, dizendo que só dentro do casamento o Estado consegue assegurar que «à criação e educação dos filhos preside um modelo masculino e um feminino, onde as crianças aprendam a unidade e a diversidade, a interdependência e a independência, a exclusividade e a complementaridade dos dois sexos, de uma forma bem clara e transparente, sem equívocos ou ficções mais ou menos sofisticadas».

Finalmente, remata dizendo que «é preferencialmente no seio do casamento que deve ser feita a procriação».

Pois bem:
Não vou comentar aqui nem as ideias que o ilustre Sr. Procurador Adjunto do Ministério Público deixa transparecer das suas palavras nem o rigor técnico-jurídico do seu parecer.
Até porque cada um tem direito a ter as suas ideias e a manifestá-las, quer do ponto de vista pessoal quer do ponto de vista técnico.


Por esse motivo não vou aqui dizer que a procriação nada tem nada a ver com a noção de casamento.
E que é por isso que são perfeitamente válidos os casamentos celebrados por pessoas estéreis.

Por isso mesmo, não vou aqui tecer considerações sobre os milhares de casais (mesmo heterossexuais) que em Portugal vivem em união de facto, muitos há dezenas de anos e com filhos.
Nem lhes vou dizer que o Ministério Público acha que eles não são uma família.

Também não vou aqui falar sobre os milhares de famílias monoparentais que existem em Portugal.
Nem lhes vou dizer que o Ministério Público acha que nessas casas (onde não existe, obviamente, uma família), as crianças são educadas sem modelos de masculino e de feminino e que, por isso, essas crianças não aprendem «a unidade e a diversidade, a interdependência e a independência, a exclusividade e a complementaridade dos dois sexos, de uma forma bem clara e transparente, sem equívocos ou ficções mais ou menos sofisticadas».

Nem lhes vou dizer que, a bem do «Princípio da Legalidade», que forçosamente obriga o Ministério Público a agir sempre que tenha conhecimento de uma ilegalidade (muito mais tratando-se de crianças), que se arriscam a que essas crianças lhes sejam retiradas e, muito provavelmente, colocadas em instituições onde esses valores lhes sejam finalmente assegurados.

Nem sequer vou aqui ironizar sobre a cultura científica que ilustre magistrado do Ministério Público deixa antever enquanto psicólogo amador.
Muito menos sobre a sua afirmação de que «é preferencialmente no seio do casamento que deve ser feita a procriação».

Mas não resisto a dizer uma coisa:
Em Portugal, o Ministério Público pode muitas vezes não funcionar muito bem.

Mas tem muita graça!


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